22.1.07

Troca por vinho o amor que não terás





















Os arqueiros do poderoso exército persa treinavam a pontaria sob o olhar atento do rei Djemchid quando uma cena incomum quebrou a concentração daquele momento. Nas proximidades da zona de tiro, uma serpente envolvia e sufocava uma majestosa ave. Sem pestanejar, o soberano ordenou que fosse plantada uma flecha certeira na cabeça do ofídio mal-intencionado. Agradecida, a ave depositou aos pés do nobre comandante um punhado de sementes que este, imediatamente, mandou semear. 

A desconhecida planta germinou e o suco de seus frutos passou a ser muito apreciado pelo rei. No entanto, passado algum tempo, este suco ficava amargo e acabava esquecido pelo palácio. Certa noite, para se ver livre de uma brutal enxaqueca, uma das escravas favoritas do rei desejou morrer e bebeu de um só gole todo o conteúdo do tal suco estragado. Ao contrário do efeito pretendido, o suposto veneno a deixou mais leve, muito mais solta e imensamente feliz. Impressionado com tal entusiasmo, Djemchid liberou a todos a bebida, que passou a se chamar Darou-é-Shah, o remédio do rei. E assim, do harém para o povo, o vinho conquistou a Pérsia. 

Quando fundou Persépolis, o grande Cambises, descendente de Djemchid, mandou plantar em todo o entorno da cidade, as vinhas que deram origem aos célebres vinhedos de Shiraz, cidade das rosas, dos poetas e do vinho, situada no atual Irã.

Como num conto das mil e uma noites, em visita a uma loja de vinhos, dei de cara com aquela garrafa mágica. Já em casa, enquanto admirava o rótulo deste Quinta do Valdoeiro Syrah, ou Shiraz, percebi que a rolha lentamente sufocava seu vibrante conteúdo. Com a precisão de um arqueiro persa, libertei o majestoso bairrada de raízes mouras. Agradecido, o vinho me presenteou, não com sementes, mas sussurando tal qual uma sedutora Sherazade a mais bela das pouco conhecidas quinze ruba'iyat, quadras da composição poética tradicional persa, que o maior dos poetas ocidentais, Fernando Pessoa, fez em homenagem a seu correspondente oriental, o persa Omar Khayyam.

Troca por vinho o amor que não terás
O que esperarás, perene o esperarás
O que bebes, tu bebes. Olha as rosas.
Morto, que rosas é que cheirarás?

Comovido e imensamente agradecido, prometi a este incomum vinho português 100% shiraz que faria da primeira linha desta ruba'i a mais inspiradora e reveladora epígrafe que um romance jamais teve.

18 comentários:

Anônimo disse...

Caro...

So um aparte para dizer que o Quinta do Valdoeiro e Bairrada e n~ao Alentejano

Abraco

Eduardo Lima disse...

Obrigado Pedro. Já corrigi.

Abraço

Eduardo

Paco Torras disse...

Só vc para viver um conto das mil e uma noites em uma loja de vinhos...
Abs,
Paco

Ruth Mezeck disse...

Um luxo só !
Fiquei fã desse blog.
Je reviens.
Já está nos meus favoritos

Anônimo disse...

Distinuida com a sua visita ao meu modesto blog.
Não sei se o outro comentário vai entrar...

Anônimo disse...

E que blog maravilhoso! Já foi para os meus favoritos. Boa comida combina com boa bebida. Obrigada pela visita.
Abraços.

E aqui encontro a Ruth Mezeck! :)
Grande pessoa!

CrissMyAss disse...

Eduardo, que lindo sempre. Obrigada por fornecer a esta péssima entendedora um motivo para preferir Shiraz.

Karen disse...

Como sempre, seu texto é impecável!

João Barbosa disse...

Belo! ... ... ...

Administrador disse...

Eduardo, os amigos Anny e Edgard (Vivinhos) não encontraram o Lovara. É uma pena, mas pode acontecer às vezes. Nosso rodízio ficou assim: o vinho do mês de fevereiro será escolhido pelo Leonardo (Viva o Vinho), o de março pelo casal Anny e Edgard (Vivinhos) e abril por você (Pisando em Uvas). Abraço!

Anônimo disse...

Eduardo,

Seu blog é muito sábio e saboroso:
sábio, pq sua escrita nos remete ao
vinho; e existe coisa mais saborosa
que o vinho?

Sapientia por Barthes:
“Nenhum poder, um pouco de saber,
um pouco de sabedoria, e o máximo
de sabor possível”>

Anônimo disse...

incrível como é bom aprender sobre coisas boas. abç

Anônimo disse...

Dudu,
continuo embevecido com seus textos.
grande abraço.

o alquimista disse...

No insólito, vai um bom copo de vinho tinto...


Abraço

Anônimo disse...

Eu acredito em tudo o que o vinho lhe disse.

Anônimo disse...

Nossa! eu amo vinho. Mas tenho limitações econômicas em meu amor. Uma lástima. Mas ler suas estórias sobre ele me consola um pouco. :)
Abração

Denise S. disse...

que texto!

Lucas Cançado disse...

Seu texto é sensacional.
Quero uma prosa contigo.
Pode enviar um sinal?
eco_logica@uol.com.br

Ana cançado.
85.8882.0712