21.8.06

O deus que entendia as mulheres





















Deuses gregos nunca foram modelo de elegância no trato com as mulheres. O neanderthal Apolo, que as atraía pelo tipo físico, só faltava sentar o tacape e arrastar pelo cabelo. Zeus, o maior de todos, também não passava de conquistador barato. Apaixonado por Sêmele, a bela filha do Rei de Tebas, seduziu-a nas formas de touro, pantera e serpente. Mas quando a ingênua princesa pediu ao animal que se apresentasse em seu aspecto normal, vaidoso e exibido, mostrou-se por inteiro diante da amante que morreu carbonizada pelo esplendor divino. Escondeu dentro de uma de suas coxas, longe dos olhares da primeira dama oficial do olimpo, o fruto daquele amor proibido. Quando nasceu, para fugir de Hera, Dionísio foi levado a um país distante e criado pelas ninfas na forma de um cabrito. 

Um sujeito criado por divindades femininas, dando gritinhos e saltitando na relva, tem duas opções na vida: ou toma de Priscilla o cetro de rainha do deserto ou se torna um cara realmente fora do comum. 

Profundo conhecedor dos mistérios femininos, Dionísio compreendia, respeitava e encantava as mulheres. Com apenas um dedo fazia o sexo feminino vibrar como as cordas de uma lira. Certa vez, foi convocado a comparecer ao Olimpo. Lá, a venenosa Hera, lançou-lhe a maldição dos loucos. Tomado pela loucura, desceu à terra, inventou o vinho e deu de presente aos homens o remédio da alma, o genérico da ambrosia e do néctar reservados apenas aos deuses. 

No segundo acesso de loucura, inventou a tragédia grega e, por tabela, o teatro, a literatura, o cinema e a novela das oito. Tornou-se assim a ovelha negra do Olimpo. O deus que, em vez de ajudar a tecer o destino dos homens, desatava os nós e os libertava do fado e das obrigações cotidianas, permitindo aos pobres mortais usufruir, ainda que por breves momentos, os divinos dons da loucura e da alegria. 

Não por acaso, suas sacerdotisas eram as ensandecidas e seminuas ménades e do seu cortejo faziam parte faunos, sátiros e ninfas. Seu templo eram os campos onde celebrava-se com vinho a fertilidade de Rea, deusa da terra. Sábia Rea, entre tantos pretendentes, escolheu justamente Dionísio para celebrar o sagrado casamento entre os princípios masculino e feminino. 

Como nos mostra o grande Caravaggio, não fazia o tipo galã, mas era um conquistador irresistível. No entanto, o grande amor de sua vida, Ariadne, plantou-lhe um frondoso chifre. A filha do Rei Minos caiu na lábia de Teseu e acabou na sarjeta. Envergonhada, fugiu de Dionísio que pediu a Artemis o favor de meter-lhe uma flechada na testa. 

Percebendo a bobagem que fez, decidiu reparar o erro com um feito sem precedentes. Desceu até o Hades, cruzou o rio dos mortos e voltou de lá com Ariadne nos braços. Aproveitando a viagem, retornou também com sua mãe, Sêmele. A mãe, entronizou no Olimpo, para desespero de Hera. A noiva, enfeitou com uma coroa de estrelas, a Corona Borealis, e a colocou no céu, acima de todas as deusas. 

Em Roma, era conhecido por Baco e as festas em sua homenagem abalaram os pilares do império. No dia em que Roma acordou pagã e dormiu cristã, os antigos deuses foram enquadrados na lei dos sete pecados capitais. A apenas um, foi concedido uma espécie de habeas corpus. 

Além de incluir o vinho na nova liturgia, permitiram que seu criador circulasse entre os homens durante cinco dias ao ano. Assim, sempre que algum folião exaltado saúda Baco durante o carnaval, consciente ou não, repete a mesma exclamação dita por Zeus no momento em que foi concebido aquele destinado a se tornar o mais humano entre os deuses e o mais divino dos homens. Evoéh!


11 comentários:

Pingas no Copo disse...

Caro Eduardo

Excelente!

CrissMyAss disse...

Eduardo, por Baco, esse teu texto tá um Teseu.

Paco Torras disse...

A história bem contada é um espetáculo mesmo. Só seria perfeita se a bebida do carnaval fosse a do Baco também.

Abs,

Paco, com pê.

CrissMyAss disse...

Já Saturno é o Deus que entedia as mulherezzzzzzzzzzzzzzzz...

Mariana Massarani disse...

Oi vizinho!
: )

Suzi disse...

Por isso trabalho com afinco pra nao perder na faina diária meu lado bacante. Estas forasteiras sensuais que provacavam com seus tambores o êxtase dos deuses e o ódio dos homens enrijecidos.

Anônimo disse...

Adorei ,as tramas dos deuses e seus causos. Escreves muito bem. Parabéns

Anônimo disse...

Imagine você que voltei da Grécia faz dois dias e estou aqui na frente do meu computador saboreando um Côte du Luberon deslumbrante. Vida longa ao seu blog, a Caravaggio e a Dionisio.

Serjão disse...

Eduardo
Obrigado pela visita e comentário lá em casa. Um abraço e apareça sempre
Tin tin

Anônimo disse...

Nada mais agradável do que, de tempos em tempos, marcar presença no "Pisando em Uvas", lendo seus excelentes textos, cheios de história, de estórias e de sentimentos seus ou de outros, de outros tempos ou de tempos atuais. Além dos textos as fotografias que tem a sua cara, que eu já conheço bem, expressam de maneira bem especial o texto ao seu redor.
Um brinde a você, hoje e sempre, e sempre que um novo texto surgir com um tema que sei bem, será, como sempre, muito especial!

Anônimo disse...

Divino!
Do meio do Atlântico as melhores saudações Báquicas.