9.4.11

De como acabei seduzido pela negra Fernet Branca


O encontro deu-se assim: diante do balcão do único bar situado na praça central da aldeia, pedi à atendente pela tradicionalíssima fernê bianca. Ela olhou de modo esquisito e serviu dois dedos de um líquido escuro e espesso onde boiava uma pedra de gelo. Recusei e insisti com o miserável italiano de que disponho que gostaria mesmo era de uma fernê bianca. A garota deixou o líquido negro sobre o balcão, foi para o fundo do bar e retornou com a garrafa da qual leu, com leve irritação, os dizeres do rótulo: Fernet Branca, capice, Fernet Branca.

Pelos idos de 1845, o farmacêutico milanês Bernardino Branca misturou destilado de uvas a uma infusão contendo todas as ervas de que dispunha na farmácia, dizem que mais de 40. Inicialmente lançado como xarope contra cólicas menstruais, constipação intestinal e complicações digestivas, o elixir de alto teor alcoólico acabou se destacando mesmo pela propriedade de curar ressaca. Semelhante cura semelhante, dizia Samuel Hahnemann o fundador da Homeopatia e, deste modo, o digestivo ganhou o mundo, apesar do gosto extremamente amargo e do aroma de antiséptico bucal.


No primeiro gole você descobre estar diante da pior bebida do mundo. O segundo reforça essa constatação. Mas, se você for persistente e chegar ao terceiro gole, vai se dar conta de que já está física e  e emocionalmente dependente do genial licor produzido nas barbas da Barbera, a consagrada uva do piemonte.  Genial por trazer em si, ao mesmo tempo, o veneno, álcool a 45 graus, e a cura, 45 ervas aromáticas, muitas delas regenerativas da função hepática.


Seduzido e embriagado pela longa e escura noite espagírica perdi, além da vontade de beber vinho, amigos, emprego e boa parte do fígado.  Mas, se a Fernet é negra,  a vitis é vinífera e Baco sempre conduz ao caminho das uvas, ainda que por videiras tortas. Assim, retomei o gosto pelo vinho. Não por intervenção direta do senhor das uvas, é verdade. Mas por intermédio de outro santo espírito, a Fada Verde que, numa elevada conversa diante de uma garrafa de Absinto 72 graus, citou Buda e me apontou o caminho do meio.


Madame B. não chegou a terminar o primeiro gole e, lúcida, mantém sobre a negra Fernet Branca a primeira impressão.


Um comentário:

Dalmo Braga Junior disse...

Parabéns,

Bela e sincera descrição da Fernet Branca.
Ainda não consegui passar do 2º trago.

Saudações!

Dalmo