4.1.07

Isabel, niagara e os carmina burana



Dizem que a taberna foi a maior invenção do homem. Bobagem. Quem inventou a taberna foi o vinho. A agricultura ainda engatinhava quando a taberna surgiu com o único propósito de servir vinho a quem de vinho necessitasse. Não por acaso, entre seus mais ilustres frequentadores figuram os sábios gregos que primeiro embalaram o berço da moderna civilização. Acredita-se que, no interior de uma taberna, foi proferida pela primeira vez a palavra democracia. E outros vocábulos ainda mais nobres como os elogios dedicados às musas pelo poeta grego Alceu e seus predecessores romanos Plauto, Horácio, Cícero e Tito Lívio.

Na clássica penumbra da taberna nasceram conspirações, revoluções e juras de amor. Em 1803, um volume com cerca de 200 poemas e canções medievais foi encontrado na abadia de Benediktbeuern, na Baviera. Soube-se depois que se tratava de uma compilação de canções originais do século XIII. Consideradas profanas, uma vez que fugiam dos temas litúrgicos e gregorianos, as canções populares de Beuern foram publicadas com o título de Carmina Burana e tornaram-se eruditas. Musicadas pelo compositor alemão Carl Orff com certo tom apocalíptico, retornaram aos ouvidos do povo como trilha sonora de filmes como A Profecia e Excalibur, comerciais de tv e, em última instância, como tema recorrente do núcleo maquiavélico da novela das oito.

Entre as Carmina Burana, há canções satíricas, cantigas de amor e aquelas dedicadas à velha e boa taberna. Na canção In Taberna Quando Sumus, os desconhecidos poetas cantaram o motivo pelo qual freqüentavam o estabelecimento: 

Quando estamos na taberna não falamos sobre a morte/jogamos os dados em nome de baco/Alguns perdem suas roupas, alguns as ganham, alguns se vestem com sacos. 

Por quem bebiam: 

bebemos pelos prisioneiros, três vezes pelos vivos, quatro vezes por todos os cristãos, cinco vezes pelos fiéis mortos, seis vezes pelas irmãs vaidosas, sete vezes pelos soldados da floresta, oito vezes pelos irmãos perversos, nove vezes pelos monges dispersos, dez vezes pelos navegantes, onze vezes pelos discordantes, doze vezes pelos penitentes, treze vezes pelos viajantes. 

E ainda, quem bebia: 

bebe a senhora, bebe o senhor, bebe o soldado, bebe o clérigo, bebe ele, bebe ela, bebe o servo com a serva/bebe o ativo, bebe o preguiçoso, bebe o branco, bebe o preto, bebe o estabelecido, bebe o vagabundo, bebe o ignorante, bebe o sábio/ bebe o pobre, bebe o doente, bebe o exilado e o desconhecido, bebe o menino, bebe o velho, bebe o chefe e o diácono/bebe a irmã, bebe o irmão, bebe a anciã, bebe a mãe, bebe esta, bebe aquele, bebem cem, bebem mil.

Poetas, musas, cavaleiros, vagabundos, ciganos, saltimbancos, camponeses, boêmios e boêmias, frades e errantes peregrinos, sempre encontraram abertas as portas da taberna. Sem culpa, sem pecado, sem distinção de casta, aroma, cor, potencial de guarda e persistência dos taninos. Sem pompa, circunstância e a estrutura das viti vinifera. Mas com a alegria e o bom humor de um garrafão de cinco litros de uva americana.

Viva a taberna! Viva Isabel! Viva Niagara! Viva Carmina! Viva Burana! E viva Omar Khayyan! Assim falou o sábio geômetra e gigante poeta persa: Nosso tesouro? O vinho. Nosso palácio? A taberna. Nossos companheiros? A sede e a embriaguês. Ali ignoramos a inquietude, porque sabemos que nossas almas, corações, taças e roupas maculadas nada têm a temer do pó, da água e do fogo.

9 comentários:

Anônimo disse...

Dudu, fiquei, estou e continuo seu admirador desta faceta de poeta.
Levei Nara para este reduto.
E eu que só bebo o escocês.
Passei até a olhar o francês com novos olhos.
Grande abraço.
E por favor continue.

Denise S. disse...

Muito bom!
E boa também a taberna, que ganhou atualizações ao longo dos anos, das quais o nosso botequim é um belo exemplo.
É muito bom um lugar em que todos são iguais, em que todos desejam ser iguais. E pensar que mesmo em alguns templos não existe isso...
Viva a taberna!

Pingas no Copo disse...

Carmina burana, que grande malha!
O deboche, a boemia...

Eduardo um grande ano 2007
Um abração
Rui

Anônimo disse...

Excelente postagem, Eduardo!! Como sempre me delicio ao passar por aqui e ler as novidades poéticas publicadas recentemente.

Feliz 2007!

Vivianne

Leonardo de Araújo disse...

Fantástico!
Se a taberna pudesse servir a vontade um Grange, um Grand Crus, ...
Embriagues eterna!
Descobri o blog hoje... e volto.
Deixarei um link no Viva o Vinho!
Que Bacco abençoe 2007.

Anônimo disse...

E viva o vinho!!!

Administrador disse...

Eduardo, tenho uma proposta a você: estive conversando com o Leonardo (Viva o Vinho) para criarmos uma espécie de confraria virtual. Ele sugeriu o nome "Confraria Brasileira de Enoblogs", que achei legal. De início, pensamos que funcionaria assim: mensalmente, um dos integrantes escolhe um vinho e submete aos demais participantes. Daremos preferência aos vinhos brasileiros, para incentivarmos de certa forma os leitores de nossos blogs. Valor: até $40. Escolhido o vinho, todos os participantes postam comentários em seus blogs, no dia 1º do mês seguinte, de modo que nenhum saberá antecipadamente a opinião do outro. É algo meio às cegas mesmo, para que as diferenças de opinião sejam vistas.
Serão convidados inicialmente os seguintes blogs: Pisando em Uvas; Viva o Vinho; Vinho para Todos e Vivinhos. São os únicos que conheço que têm mantido certa atualização. Se quiser convidar mais alguém, fique à vontade.
O que acha? Vamos escolher o vinho de JANEIRO?
No aguardo.

Administrador disse...

Caro Eduardo,
a escolha será em rodízio, a cada mês. Para janeiro, a escolha ficou comigo: LOVARA CABERNET SAUVIGNON 2005.
Postagem dos comentários em 1º de fevereiro.
Abraço.

Anônimo disse...

eduardo, etâ sedinha que deu. Ficou até aquele gostinho que dá depois do primeiro gole. Ótimo
abç