1.9.06

E o resto é silêncio


Vinhos ingleses são como brujas. Jo no creo, pero que los hay, los hay. Indícios de sua existência remontam ao mito de Maeve, deusa guerreira que ofertava aos seus pretendentes uma taça de tinto, rubro como seu próprio sangue. Somente àqueles que bebiam do seu vinho era concedido o privilégio de se tornarem senhores dos mistérios femininos e, por tabela, do trono da ilha. 

Foi preciso que o grande Julius Caesar ali chegasse para apagar o fogo de Maeve e jogar o feminismo celta na fogueira, a mesma que muito mais tarde estaria reservada aos sutiãs. Em compensação, trouxe junto às suas hostes as uvas do mediterrâneo. 

Tais uvas caíram no gosto dos ingleses. Feito com malvasias originárias da Ilha de Creta, o vinho da Madeira era, no período de Shakespeare, mais popular do que uma black guiness. O negro Otelo que o diga. Por culpa do vinho, Desdêmona caiu de amores pelo mouro de Veneza. Duque traidor, o irmão mais esperto de Eduardo IV escolheu a morte por afogamento num tonel de vinho madeira. 

Dado aos encantos da boa mesa, o bufão Falstaff vendeu a alma ao diabo numa sexta-feira santa em troca de um bom cálice deste vinho. E, tragédia das tragédias, com vinho envenado, Claudio, rei interino da Dinamarca, acidentalmente mata Gertrudes, esposa do falecido rei, no lugar de seu verdadeiro destinatário, o príncipe Hamlet que, eternamente indeciso, acaba morrendo no final. 

E o resto seria silêncio, não fosse a iniciativa de alguns poucos súditos da Rainha Vitória, que teimaram em produzir vinho no império onde havia terroirs de todos os tipos e insolação vinte e quatro horas ao dia. Não obstante as terras frias e chuvosas serem mais adequadas à produção do malte, não obstante a providencial invenção do vinho fortificado português ter permitido que se conservasse por muito mais tempo o vinho adquirido na região do Porto, o mito em torno de um vinho nascido e criado na ilha persiste. 

Dizem que há quem tenha encontrado um bom vinho inglês. Para degustá-lo prepararam, inclusive, uma mesa com design democrático, sem cabeceiras. O problema é que já se passaram mais de dois mil anos e aqueles que foram procurar um cálice especial para degustá-lo até hoje não voltaram.

12 comentários:

Karen disse...

Muito bom texto! rs

CrissMyAss disse...

Parabéns, Eduardo, cada vez melhor.

Anônimo disse...

interesante o blog.
passei por aqui via "la vie est belle".
que me diz sobre o "Concha y Toro"?
sucesso!tertu

Pingas no Copo disse...

Compadre Eduardo, excelente texto!

Um abraço

NOG disse...

Meu caro,

Não é por acaso que os melhores vinhos Madeira continuam a estar nas mãos de famílias inglesas.

Um abraço,

N.

(Saca)

Anônimo disse...

Adoro degustar seus textos. Escreve mais!

Sheila Leirner disse...

Oh Eduardo, que blog encorpado, bem escrito e suave, de sabor levemente ácido, responsável por uma agradável sensação de frescura. Taninos equilibrados, bela "robe" e final de boca longo com notas de inteligentes frutinhas vermelhas. Parabéns! Gostei muito :)

Anônimo disse...

Parabéns pelo blog, nao o conhecia, ainda nao li tudo, mas já gostei do sabor. Valeu a visita lá no DMadrid, volte sempre!

Anônimo disse...

Amigo Eduardo.
Parabéns!
Beijos & vinhos,
Maria Lúcia Rodrigues
www.amigasdovinho.com.br
amigasdovinho@uol.com.br

CrissMyAss disse...

Vai lá, nossa pesquisa continua.
E aqui, tá demorando a sair coisa, hein???
bjs

Giovanna Vilela disse...

Encontrei seu blog por engano.Li o texto e adorei!!!!
Parabéns,merece um brinde!Um Brunello?

Lucinha Horta disse...

timtim!!!!!
descobri seu blog porque li seu comentário no blog do Carpinejar.

"Vinícius que dizia que na hora da separação as coisas ficam em preto-e-branco. São as melhores fotografias. Pelo menos."

adorei!

berjo procê.