29.11.06

Onde se explicam o fruto e as raízes da confusão instaurada no pomar divino



Recentemente foi descoberta no Irã, antiga Pérsia, uma ânfora contendo em seu interior resíduos de um vinho com 3.500 anos de idade. Escavações em Catal Hüyük, primeira cidade da humanidade encontrada na atual Turquia, revelaram sementes de uva datadas de 8.000 a.C. Acredita-se que antes da última era glacial os povos de Cro-Magnon, inventores da arte moderna, serviam vinho nas concorridas vernissages de Lascaux. 

Arqueólogos confirmam o fato de haver, na grande maioria das escavações, registros da presença do vinho em todas as sociedades humanas. Na tumba de Tutankamon foi encontrada uma ânfora contendo a inscrição "de muito boa qualidade". 

A videira e o produto da fermentação de seu fruto são, provavelmente, anteriores ao surgimento da espécie humana. No entanto, foi o homem quem deu sentido à bebida. Estudos científicos e observações pouco menos acadêmicas convergem ao apontar no mito do paraíso celeste uma clara alusão ao encontro do homem com o vinho. 

A ilustração acima é um fragmento do teto da Capela Sistina e mostra Eva no momento em que recebia da serpente o fruto proibido. Analisando a obra de Michelangelo, estudo de botânica (Drauft, 1987) revela ser aquele o caule característico da vitis rupestris, espécie de videira americana que, ao contrário da vitis vinifera européia, não é considerada apropriada para a produção do vinho de qualidade. Tal afirmação encontra eco nas palavras de outros estudiosos quando estes apontam que o fruto proibido descrito no velho testamento, e comumente associado à maça, já ter sido interpretado como sendo um figo ou pêra ou mesmo um cacho de uvas. 

Apesar da tentadora combinação pêra-uva-maçã, o mito do Paraíso Perdido ( Milton, 1667) adquire lógica mais consistente quando analisado sob a ótica do vinho. Neste sentido, teólogos e juristas concordam que a simples coleta de uma maça não é motivo para o castigo divino. O grande pecado aqui é o conhecimento. Vivendo no jardim das delícias de modo inocente, Adão e Eva, em certo momento, transgridem as regras e tomam para si o conhecimento que os distancia das outras criaturas ao mesmo tempo em que os torna mais próximos do Criador. 

Ora, tal conhecimento, simbolizado pelo fruto proibido, estava disponível no jardim das delícias. E a sábia serpente não pede que Eva o tome somente pelo prazer de vê-los cair em desgraça. Por sua consistência biológica, o homem já estava predestinado ao conhecimento (De Havers, 1972). A questão aqui é o modo como tal conhecimento foi utilizado. 

Para outros estudiosos, a descoberta de textos apócrifos nas cavernas de Qunram joga luz sobre a questão: " e assim o Criador ordenou à serpente que instruísse Eva sobre como beber do conhecimento contido no fruto..." . Há quem interprete assim a continuação deste fragmento: 

" Com orgulho, a serpente e o Criador assistiram ao recém instruído casal beber do vinho do conhecimento. No entanto, como as uvas eram das castas Isabel e Niagara ( por conta da videira americana ) Adão teria achado o vinho doce e com baixo potencial de envelhecimento, motivando Eva não só a concordar como também não poder deixar de comentar o ridículo bouquet e a lamentável ausência de taninos"

O resto da história está no Velho Testamento mesmo: a inevitável expulsão de ambos do Paraíso e o comentário "eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bom e do mau" proferido pela serpente, para muitos, o primeiro enófilo de que se tem notícia.

13 comentários:

Karen disse...

Quer dizer que o Brasil de fato pode ser ainda o Paraíso, pois as "festas da uva" locais são todas brindadas com vinhos feitos com as uva niagara e isabel! rs

CrissMyAss disse...

Este conhecimento não seria a diferença entre o simples coletar e o processar (ou controlar) - no exemplo, a fermentação da uva? Seria o vinho a primeira coisa "fabricada" pelo homem?

Daniel disse...

fantástico

Paco Torras disse...

Aina bem que o vinho era ruim, se fosse um bourgogne, com certeza não estaríamos aqui...

João Barbosa disse...

Belíssima prosa, belíssimo pensamento! À saúde!

Anônimo disse...

A hipótese é bastante interessante... que bela reinterpretação da bíblia, hein.

Anônimo disse...

Vim lhe desejar um lindo Natal e um Ano Novo deslumbrante.

Unknown disse...

Ótimo Blog.

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Anônimo disse...

Nada mais agradável do que, de tempos em tempos, marcar presença no Pisando em Uvas, lendo seus excelentes textos, cheios de história, de estórias e de sentimentos seus ou de outros, de outros tempos ou de tempos atuais. Além dos textos as fotografias que tem a sua cara, que eu já conheço bem, expressam de maneira bem especial o texto ao seu redor.
Um brinde a você, hoje e sempre.
E sempre que um novo texto surgir, cim uma nova foto, com um tema que sei bem será, como sempre, muito especial, estarei presente para aplaudir você!

Anônimo disse...

Dudu, estou fan!
Vou entrar todos os dias, para ler o que perdi (bem devegar, como um bom apreciador) e torcer para mais maravilhas serem criadas.

Anônimo disse...

Por isso é que há homens e mulheres sabendo à casta Isabella.
Alguém referindo-se a ela comparou-a com a raposa, pelo seu aroma e gosto.
Um grande abração enófilo.

Luis Eduardo Pomar disse...

Dudu,
aqui na América do Sul o vinho que se toma há mais de 3 mil anos é outro...

Adorei o blog!!!!!!
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www.lepomar.blogspot.com

Luis Eduardo Pomar disse...

Caríssimo Dudu
aqui na América o vinho que se toma há 3 mil anos é outro....
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