30.3.06

Mea Culpa





















Um grande vinho é aquele que você, invariavelmente, se arrepende de ter aberto. Fazer o quê? Já estava com a rolha na mão. Só me restava encher a taça e acabar com aquela sensação de vazio que pairava no ar, apesar dos aromas que se anunciavam. Provei. 

Me arrependi de não ter reservado uma ocasião mais apropriada. Um vinho desses merecia muito mais. No fim da primeira taça ainda tentei recuar, pensei em tampar a garrafa com aquela rolha de borracha em que se tira o ar por sucção, mas seria um sacrilégio ainda maior. Um imperdoável capricho por uma única taça. Parti para a segunda. 

Me arrependi de não ter por perto família, amigos, imprensa. Terceira taça. Me arrependi de não ter escrito Cem Anos de Solidão, de não ter beijado a menina mais bonita da escola, de não ter assistido à estréia de As Bodas de Fígaro em 1786, de não ter me alistado do lado dos anarquistas na Guerra Civil Espanhola, de não ter me casado mais vezes com a minha mulher. 

Na quarta taça ainda havia, mais ou menos, metade da garrafa. Me arrependi de não saber quantas taças cabiam em 750 ml, de não ter sido um aluno melhor em matemática, física, biologia, história, geometria descritiva, de não ter feito mestrado nem doutorado. 

Na quinta taça, que eu não sabia mais se era a quarta ou a sexta, me arrependi profundamente não lembro mais do quê. Restava ainda um pouco de vinho quando me arrependi de não ter previsto uma trilha musical para aquele momento. Um grande vinho merece bem mais que o silêncio respeitoso de um refeitório de mosteiro. 

Coloquei um cd. A partir daquele momento seríamos três a testemunhar a grandiosidade daquele encontro. Chorey-les-Beaune 97, Edith Piaf e eu. Seríamos três a cantar non, rien de rien, non, je non me arrepend de rien.

5 comentários:

Karen disse...
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Karen disse...

Eduardo, acho que a Edith Piaf canta "non, rien de rien, non, je ne regrette rien..." ;-)(Sou fã dela!)
Legal encontrar seu blog, espero que possamos trocar dicas de vinho...
(Mil desculpas por ter errado seu nome, EDUARDO! Estava no mundo da lua!)

Anônimo disse...

ah...então é isso...aquelas detestáveis e hereges rolhas de borracha...

Anônimo disse...

Fantástico!

Paco Torras disse...

Eduardo, pior do que arrepender-se de abrir aquele vinho na hora errada é aguentar a ansiedade para abrir a outra garrafa dele. Parabéns pelo bom gosto na musica, nos vinhos e no template do blog :)